quinta-feira, 31 de maio de 2007

MODERNO SIM, MAS...

Eduardo da Silva de Freitas

Dizer que movimento modernista tradicionalmente se define por sua vontade de ruptura com valores passados frutos do patriarcalismo agrário, em favor do progresso industrial, e que criticava as formas artísticas dos períodos anteriores, especialmente o parnasianismo, por considerá-las antiquadas e representantes daqueles valores, já não constitui novidade. Na conferência de inauguração da Semana de 22, Graça Aranha menciona as manifestações artísticas que “virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado” (220), forças representadas pela Academia, para cuja função social, aliás, não consegue encontrar uma justificação (225). De fato, muito tempo depois disso, o movimento será lembrado por sua vontade de contrariar, continuamente justificada pelos próprios artistas, que não queriam que sua arte fosse julgada pelos padrões tradicionais[1] do “bom gosto”; e será resumido pela articulação de uma série de predicados semanticamente unificados pelo rótulo do não. Não precisarão ser referidos aqui os termos como “revolta”, “ódio”, “feiúra”, “ironia”, “paródia”, “loucura”, entre outros, freqüentemente utilizados pelos poetas do movimento e constantes do repertório crítico dedicado a eles. No entanto, lembre-se que, por esse mesmo viés, se dá a releitura , na década de 60, da obra de Oswald de Andrade, promovida pelo concretismo dos irmãos Campos. O autor das Memórias Sentimentais de João Miramar será louvado por sua criatividade formal contraposta ao purismo, pela paródia à oca verbosidade[2], pela técnica cinematográfica, etc.
Não há por que negar esse lado forte e vigoroso do movimento. Mas, numa época em que se tornou praxe desconfiar de toda e qualquer palavra de ordem; que tem sido classificada como pós-utópica justamente por não acreditar no poder unificador dos discursos, já não se pode deixar de notar que houve alguma coisa no discurso que destoou da prática. Ao menos hoje em dia, ainda que se creia que os artistas, críticos e pensadores afinados com os ideais modernistas tiveram realmente vontade de mudar o país, que lutaram com todas as suas forças para rechaçar a oligarquia rural do centro do palco sócio-político-econômico, não se pode ignorar que as suas conquistas devem repensadas. Ora, se não resta dúvida de que demoveu do poder estruturas “viciadas”, não se pode negar que erigiu outras. Ou melhor, para ser absolutamente anacrônico: se conseguiu dar respostas pertinentes às suas questões históricas, não se pode acreditar que elas sejam totalmente válidas para as questões hodiernas. Se se pensar a história com Collingwood, para quem “progresso não é a substituição do ruim pelo bom, ao contrário é a do bom pelo melhor” (1965, 312), pode-se ver que não se trata de negar que o modernismo tenha tido êxito pleno em suas pretensões, mas de perceber que tal êxito trouxe uma situação nova que incita novas demandas.
Não é bastante penas louvar o modernismo por todas as suas contribuições à cultura brasileira, sem deixar de perceber que se ele quis ser um movimento revolucionário não promoveu uma melhoria das condições materiais para a produção ou para a recepção da arte que fosse muito além das classes altamente letradas; não é mais possível se inspirar no modernismo como fizeram alguns artistas durante o período ditadura, pensando que ele tenha sido um grito pela liberdade ou uma tentativa de livrar o Brasil de toda e qualquer amarra.
[1] Talvez o grande êxito que o movimento modernista teve na história literária brasileira deva-se aos inúmeros textos explicativos de suas intenções – sejam poesias, sejam prosas, sejam manifestos, etc. – os quais serviram para doutrinar a apreciação crítica: tais textos compunham a lente através da qual se deveria ver as obras.
[2] Cf. o prefácio escrito por Haroldo de Campos, “Miramar na Mira”, para as Memórias Sentimentais....

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